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2 de setembro de 2011

A religiosidade, a espiritualidade e o consumo de drogas


Aspectos gerais


No que tange ao consumo das drogas psicotrópicas, a religião vem sendo claramente identificada como um fator protetor ao uso de drogas, tanto no Brasil quanto no exterior. Entre os estudos que se referem à relação existente entre a religião e as drogas, um dos mais antigos foi realizado na Irlanda e teve como amostra 458 estudantes universitários daquele país. Notou-se maior consumo de álcool entre os estudantes com menor crença em Deus e menor freqüência aos cultos religiosos (Parfrey, 1976).

Dentro desse item que trata dos aspectos gerais, por nos parecer mais didático, optou-se pela apresentação cronológica dos principais estudos científicos sobre o tema. Como será visto adiante, todos têm característica quantitativa e utilizam meios estatísticos para avaliar correlação entre a religiosidade e o consumo de drogas, sem, contudo, enfocar os mecanismos estruturais do fenômeno.

Em um estudo realizado com 2.066 adolescentes canadenses, Adlaf e Smart (1985) examinaram a relação entre o uso de drogas e diversas formas de mensuração da religião, como a afiliação religiosa, a religiosidade e a freqüência à igreja. A afiliação religiosa não diferiu entre os usuários de drogas, quer eles fossem católicos, protestantes e sem religião. Por outro lado, os índices de religiosidade e a freqüência à igreja diferiram entre os usuários e os não-usuários de drogas de forma significativa. Aqueles que pouco freqüentavam a igreja ou que, de alguma forma, não praticavam a sua religião eram os mais propensos a ser usuários de álcool e de outras drogas.

No estudo de Lorch e Hughes (1985), realizado com 13.878 estudantes, a importância dada à religião foi o fator protetor fundamental para o não consumo de drogas, pois, quanto maior era a importância dada à religião, menor era o envolvimento com as drogas.

Cochran et al. (1988) estudaram a relação entre a religiosidade, o uso de álcool e a percepção do uso irracional deste, tendo para isso utilizado os dados obtidos no General Social Survey de 1972 e 1984, com 7.581 pessoas maiores de 18 anos. Os autores verificaram que as pessoas sem religião eram mais propensas a utilizar o álcool e que os batistas eram os menores consumidores desta substância. Posteriormente, Midanik e Clark (1995), seguindo a mesma metodologia para os levantamentos dos anos de 1984 a 1990, corroboraram esses achados, apontando para a evidência de que as pessoas com maior índice de religiosidade apresentam menos problemas relativos ao consumo de álcool.

Hawks e Bahr (1992) sugeriram que a religiosidade, expressa pela prática de uma religião, retarda o primeiro uso do álcool, também influenciando a menor freqüên­cia posterior do seu consumo. As suas observações confirmaram que a freqüência a igrejas e sinagogas estaria inversamente relacionada com o uso de álcool e de outras drogas. No mesmo ano, na Espanha, Luna et al. (1992) verificaram, em uma investigação entre 955 estudantes universitários, que aqueles que consideravam a religião algo importante nas suas vidas eram os mesmos que relatavam menor consumo de álcool e outras drogas, assim como consideravam perigoso o consumo dessas substâncias.

Koenig et al. (1994), ao examinarem a relação entre o alcoolismo e as diversas atividades religiosas, constataram que as pessoas que freqüentavam a igreja regularmente e eram engajadas em preces e leituras da Bíblia apresentavam índices significativamente menores de alcoolismo.

Em Trinidad e Tobago, Singh e Mustapha (1994), em um estudo com 1.603 estudantes secundaristas, identificaram quatro variáveis religiosas claramente relacionadas com menor envolvimento do consumo de drogas, que foram as seguintes: aderir e participar de programas religiosos para jovens; valorizar os ensinamentos religiosos; considerar importante crer em Deus e considerar importante orar quando se está diante de alguma dificuldade.

No ano seguinte, na Alemanha, seguindo a idéia de Luna et al. (1992), Cronin (1995), em um estudo com 216 estudantes, verificou que o consumo de drogas foi significativamente maior nos do ensino médio que davam pouca importância para a religião e para a espiritualidade.

Dois levantamentos, realizados entre estudantes universitários nigerianos, apontaram para a constatação de que a ausência de uma religião se relacionava a uso maior do álcool, do tabaco e da maconha (Ndom e Adelakan, 1996). Dez anos depois, seguindo os mesmos padrões metodológicos, esse fato também se verificou em um estudo realizado entre adolescentes que viviam nos Estados Unidos (Sinha et al., 2006).

Em um estudo com 1.902 irmãs de famílias religiosas ou não-religiosas, pôde-se constatar que a religiosidade da família foi um dos fatores determinantes do ambiente doméstico saudável e não conflituoso, pois diminuiu consideravelmente o risco do abuso de drogas por elas (Kendler et al., 1997).

De acordo com o gênero, alguns estudos apontam para uma diferença no que diz respeito à postura diante da religiosidade e do consumo de drogas. Em um levantamento americano realizado entre 210 estudantes universitários, notou-se que, especialmente nas mulheres, a crença religiosa estava relacionada à cautela em relação ao consumo do álcool e das drogas, assim como aos padrões de comportamento sexual. Já para os homens, a religiosidade só foi identificada como protetora do consumo de outras drogas, que não o álcool e o tabaco (Poulson et al., 1998). Na Escócia, essa relação também foi verificada entre os estudantes universitários dos cursos das áreas de saúde e educação, verificando-se que, apesar de tanto os homens como as mulheres praticantes de uma religião consumirem menos drogas dos que os não pertencentes a nenhum grupo religioso, eles sempre faziam um consumo mais intenso do que elas, sendo eles também mais tolerantes em relação ao consumo de drogas lícitas e ilícitas (Engs e Mullen, 1999). 

A devoção pessoal, expressa essencialmente pelas orações dirigidas a Deus, mostrou-se inversamente associada ao abuso e à dependência das drogas psicotrópicas, com a exceção do tabaco, entre os adolescentes entrevistados pelo Nacional Comorbidity Survey nos EUA (Miller et al., 2000). 

Sutherland e Shepherd (2001), comparando aspectos sociais da vida dos usuários e dos não-usuários de drogas em Gales, sugeriram que a falta de uma crença religiosa atuaria como um fator de risco para o consumo de drogas, e a relação negativa entre a crença em Deus e o consumo de drogas ilícitas se torna mais forte conforme a idade aumenta. Já para Hodge et al. (2001), maior atividade religiosa, expressa pela prática de preceitos e pela freqüência a uma igreja, aumentaria a possibilidade de os adolescentes rurais americanos nunca experimentarem álcool.

No que diz respeito à educação religiosa, Miller et al. (2001), estudando, em Nova York, os filhos dos consumidores de heroína vinculados a programas de substituição desta pela metadona, afirmaram que as crianças do grupo experimental com algum tipo de educação religiosa, em geral oferecida pelos adultos não dependentes de drogas, tiveram menor propensão ao envolvimento com drogas do que as que nunca se submeteram a uma formação religiosa.

Também entre as crianças e os jovens caribenhos, dos 10 aos 18 anos, aqueles que estavam envolvidos com algum grupo religioso, freqüentando as atividades religiosas, apresentavam menos comportamentos de risco, inclusive em relação ao consumo de álcool e de drogas, o que evidencia o papel protetor da religiosidade do domínio público (participação em grupos religiosos) (Blum et al., 2003). No entanto, para Nonnemaker et al. (2003), parece que a religião se apresenta protetora do uso experimental de drogas apenas entre os adolescentes que obtiveram pontuações elevadas nos quesitos relativos ao domínio privado (prece individual) da sua religiosidade, expresso pelo número de orações semanais e pela importância dada à religião. A religiosidade privada parece ser a responsável por reduzir o impacto dos eventos estressantes na vida, que é determinante para o início do consumo de substâncias psicotrópicas (Wills et al., 2003).

Quando se buscou a existência da influência da religiosidade no consumo de drogas, relacionada com a questão da raça, Wallace et al. (2003) verificaram que, apesar de maior número de jovens negros norte-americanos se declararem religiosos, a relação entre a religiosidade e a abstinência do álcool e da maconha foi mais intensa entre os brancos. Tal evidência já havia sido identificada em uma pesquisa baseada em dados de um levantamento nacional, realizada neste mesmo país (Amey et al., 1996).

Também na Hungria, um estudo com 1.240 adolescentes se evidenciou a relação inversa entre o consumo de tabaco, de álcool e de maconha, e a prática religiosa (Piko e Fitzpatrick, 2004). 

Nos sete países da América Central, também foi possível identificar a religiosidade como um fator protetor. Um estudo epidemiológico com cerca de 13 mil estudantes dessa região identificou que a prática religiosa, expressa pela freqüência à Igreja Católica ou Protestante, estava inversamente relacionada com os consumos prematuros do cigarro e da maconha, além de também diminuir as chances de exposição ao álcool (Chen et al., 2004).

Em um estudo aleatório com os pacientes que deram entrada em três pronto-socorros na cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos, verificou-se que a participação regular em uma igreja teve significativo impacto positivo diante do consumo de álcool nas seis horas anteriores à entrada na sala de emergência (Bazargan et al., 2004).

No intuito de compreender o mecanismo pelo qual a religiosidade poderia ser considerada protetora do consumo de drogas, Stylianou (2004), por meio de questionários enviados por e-mail, investigou padrões de consumo e conceitos de religiosidade em 276 estudantes universitários do Chipre. Os resultados sustentaram a hipótese de que a religiosidade controla indiretamente as atitudes perante o consumo de drogas pela percepção da imoralidade que o ato representa em si próprio.

No ano de 2006, dois estudos que trataram do consumo de drogas, especificamente entre mulheres de risco, apontaram para o papel protetor da religiosidade como sendo algo que as influenciou, levando-as a menor consumo de drogas (Klein et al., 2006), assim como favoreceu sua diminuição quando este já era praticado (Brown, 2006).

No Brasil, não há muitos estudos nesta área, no entanto, recentemente, foi publicado um estudo qualitativo que corrobora os achados internacionais quantitativos, evidenciando que a maior diferença entre os adolescentes usuários e os não-usuários de drogas psicotrópicas, de classe social baixa, era a sua religiosidade e a da sua família. Nesse estudo, os autores observaram que 81% dos não-usuários praticavam a religião professada por vontade própria e admiração, mas apenas 13% dos usuá­rios faziam o mesmo. Nesse segundo grupo, porém, a prática religiosa estava diretamente relacionada à busca da reabilitação diante do consumo de drogas, mas essa só começou após o início do consumo abusivo destas (Sanchez et al., 2004).

Dalgalarrondo et al. (2004), ao avaliarem 2.287 estudantes de escolas públicas e particulares de Campinas (SP), verificaram que o uso intenso de pelo menos uma droga (álcool, tabaco, medicamentos, maconha, solventes, cocaína ou êxtase) foi maior entre os que não tiveram educação religiosa na infância. 

Por fim, no ano de 2006, os pesquisadores da Universidade de São Paulo, em um estudo com 926 estudantes universitários paulistanos, publicaram seus achados epidemiológicos afirmando que, aqueles que possuíam uma renda familiar alta e não professavam alguma religião, eram os que correriam maior risco de consumir drogas (Silva et al., 2006). Além disso, esse mesmo estudo detectou a ausência de bebedores excessivos entre os espíritas e os protestantes praticantes.


Fonte parcial de:





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